Indefinição sobre regime fiscal afeta projetos em portos

Dona do maior terminal de contêineres do país, a BTP vinha planejando a compra de quatro novos superguindastes para dinamizar ainda mais suas operações no Porto de Santos (SP). Conhecidos como “ship-to-shore”, esses equipamentos são responsáveis por carregar e descarregar grandes navios. Com 120 metros de altura e 1,6 mil toneladas, cada um pode custar US$ 10 milhões.

O plano de aquisição, no entanto, foi adiado. A suíça Terminal Investment Limited (TIL), com sede em Genebra e principal acionista da BTP, opera em cinco continentes e preferiu fazer a encomenda dos guindastes para seu terminal em Ashdod (Israel).

Motivo para suspender, por ora, a compra de portêineres no Brasil: a falta de perspectivas sobre o futuro do Reporto, regime tributário especial que desonera investimentos em portos e ferrovias, mas expirou no fim do ano passado – após uma década e meia de sucessivas prorrogações.

“Sem o Reporto, cada STS [‘ship-to-shore’] em Santos sairia por US$ 15 milhões. Fica muito difícil explicar para um investidor estrangeiro que o mesmo equipamento orçado pouco tempo antes torna-se, de repente, 50% mais caro”, diz Antônio Patrício Junior, diretor de investimentos da TIL.

O benefício garante isenção de IPI e PIS/Cofins para a compra de máquinas e equipamentos, como locomotivas e trilhos, além de suspensão da cobrança de Imposto de Importação sobre itens que não tenham similares nacionais. A suspensão abrange também o ICMS cobrado pelos Estados. Todos esses tributos podem onerar os investimentos em 52%.

Empresários de portos e ferrovias tentaram incluir a extensão do Reporto, existente desde 2004, em medidas provisórias que tramitavam no Congresso Nacional durante o ano passado. Graças à atuação do governo, nenhuma das emendas negociadas com os parlamentares prosperou. Em dezembro, finalmente conseguiram encaixar a renovação do regime especial na “BR do Mar”, projeto de estímulos à navegação de cabotagem aprovado pela Câmara.

O projeto de lei foi para o Senado, mas perdeu a urgência e agora está praticamente engavetado. Paralelamente, o Orçamento da União para 2021 ficou sem rubrica voltada para o Reporto. A iniciativa privada desistiu da estratégia e agora pressiona o governo pela publicação de uma MP específica sobre esse assunto.

Um grupo de oito associações empresariais se reuniu com o próprio presidente Jair Bolsonaro em março, no Palácio do Planalto, pedindo celeridade no tratamento da questão. Bolsonaro ligou para o ministro da Economia, Paulo Guedes, e pediu que ele recebesse a comitiva imediatamente. Guedes mobilizou a Receita Federal, que enviou um formulário de “avaliação técnica de benefícios e incentivos fiscais” para preenchimento. O documento foi preenchido e encaminhado à Receita.

Não houve mais resposta, segundo diversos representantes do setor. Procurado pelo Valor, o Ministério da Economia não respondeu até a conclusão desta edição.

Diante da ausência de sinalizações, as associações mandaram uma carta para Bolsonaro, no dia 10 de maio – com cópia apenas para o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e ignorando Guedes. Elas se dizem preocupadas com a demora na definição sobre o Reporto e fazem um apelo pela edição de MP, com vigência do regime até o fim de 2025.

“Prorrogar só por um ano não resolve o problema. Entre a encomenda e a entrega de um equipamento, quando há o processamento aduaneiro, leva-se cerca de 18 meses. Se não houver segurança jurídica, não tem investimento”, ressalta Patrício Junior.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) já acenou que, em caso de renovação do Reporto, empresas que arrendam terminais em portos públicos podem pedir reequilíbrio de seus contratos pelo investimento realizado enquanto o regime não estava valendo. O clima no setor, contudo, é de incerteza.

No caso de terminais de uso privado, que estão localizados fora dos portos organizados e operam sob contratos de autorização, não há possibilidade de reequilíbrio. A DP World Santos – antiga Embraport – se enquadra nessa situação e já nota reflexos da perda de vigência do Reporto. O estudo de viabilidade de um projeto de expansão do terminal está sendo feito sem considerar os efeitos do regime tributário, o que torna a equação final mais complicada de parar em pé.

“A extinção do programa [Reporto] acarreta em um impacto significativo em novas aquisições”, disse a DP World, que tem sede em Dubai, em nota enviada ao Valor.

“Se o benefício for de fato extinto, haverá elevado custo tributário sobre produtos essenciais para o desenvolvimento das atividades e comprometimento dos investimentos feitos em novos equipamentos e na modernização portuária. Se o atraso da prorrogação acontecer, a competitividade das exportações será reduzida. Se prorrogado, os custos não seriam impactantes em âmbito nacional.”

No setor de ferrovias, a indefinição sobre o Reporto ocorre em um momento de nova onda de investimentos, já que concessões foram prorrogadas antecipadamente em troca de grandes obras de ampliação. Um dos exemplos é o da Malha Paulista, controlada pela Rumo, que prevê aportes superiores a R$ 6 bilhões. Todos os cálculos foram feitos considerando a existência do benefício.

“Há um descompasso entre toda a ambição do programa de concessões promovido pelo Ministério da Infraestrutura e o atraso do Reporto”, afirma o diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Simões Paes.

Para ele, não adiantará muito fazer reequilíbrios econômicos das concessões que prolongam contratos, pois eles já têm prazos muito longos – até meados da década de 2050 – depois de prorrogados. Uma hipótese seria descontar o pagamento de outorga à União. Ocorre que a Rumo, por exemplo, já antecipou boa parte do que devia em outorga. Corre-se o risco de, alternativamente, postergar aportes pactuados.

Em nota, o Ministério da Infraestrutura disse apoiar a prorrogação do Reporto “por curto prazo” – a equipe econômica defende uma definição mais longa no âmbito da reforma tributária.

A pasta “reconhece a importância do programa de incentivos para o desenvolvimento da infraestrutura e superestrutura dos portos e ferrovias do país” e, na nota enviada ao Valor, acrescenta: “A prorrogação do Reporto permanece como tema de debate junto ao Ministério da Economia, com o objetivo de chegar a uma decisão conjunta e equilibrada sobre o programa de incentivos fiscais, em que os interesses públicos sejam prevalecidos”.

Fonte: Valor Econômico (https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/06/08/indefinicao-sobre-regime-fiscal-afeta-projetos-em-portos.ghtml)

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