Valor 1000: Clima frustra recorde na safra de grãos deste ano

Mas o Valor Bruto da Produção da agricultura e da pecuária vai atingir R$ 1,1 trilhão, o nível mais elevado em trinta anos

Valor Econômico – Os dados mais recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) confirmam que o Valor Bruto da Produção (VBP) da agricultura e da pecuária baterá novo recorde em 2021, o terceiro consecutivo, atingindo o nível mais elevado em pouco mais de três décadas e aproximando-se de R$ 1,1 trilhão ante a R$ 1 trilhão no ano passado. Em valores reais, o faturamento bruto no campo deverá crescer perto de 9,8%, o que significará certa desaceleração diante da alta de 17% registrada na saída de 2019 para 2020.

No conjunto do ranking de Valor 1000, as empresas do agronegócio continuaram a superar o desempenho das mil maiores companhias do país em 2020. A receita líquida, na média do setor, superou o mesmo valor médio alcançado pelas mil maiores em 14,3%. Mais do que isto, enquanto as receitas das mil maiores avançaram 10,1% num ano em que a saúde e a economia foram duramente castigadas pela pandemia, as empresas do agronegócio registraram alta de 29,1%, com aumento ainda de 27,0% no resultado líquido consolidado do setor.

Para comparação, entre as mil maiores, o lucro sofreu baixa de 16,3%. Quando se considera apenas o core business de cada segmento, o lucro da atividade no agronegócio mais que dobrou, subindo 104,3%, diante de variação de 19,2% para as mil maiores.

O avanço do VBP neste ano deve ser creditado em grande parte à escalada dos preços recebidos pelo campo ao longo do ano, porque a produção foi afetada pela seca e, mais recentemente, por geadas. As intempéries castigaram a segunda safra de milho, mas também a produção de algodão, cana e café. “O clima prejudicou muito o setor, ao impedir que a agricultura pudesse capitalizar integralmente o salto nos preços”, reforça Bruno Lucchi, diretor-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

A série mensal do Mapa mostra que o VBP poderia ter apresentado crescimento mais vistoso, não fosse a quebra na produção de segmentos importantes. Em abril deste ano, a estimativa para o valor bruto a ser recebido pela agropecuária superava R$ 1,130 trilhão e, desde lá, sofreu recuo equivalente a R$ 21,6 bilhões – em grande parte porque a previsão para o milho baixou de R$ 141,41 bilhões para R$ 129 bilhões (ou seja, quase R$ 12,5 bilhões a menos).

Comparada ao volume colhido em 2020, próximo a 102,6 milhões de toneladas, a safra de milho encolheu 15,5%. Mas os preços, em valores reais, subiram 26,1%, considerando a média registrada entre janeiro e julho deste ano ante o mesmo período de 2020, conforme o ministério, evitando um estrago ainda maior sobre a receita bruta do produtor.

As perdas no milho deverão ser compensadas em boa parte pelo avanço da soja, que terá sua produção elevada de 124,84 milhões para 135,98 milhões de toneladas entre as safras 2019/2020 e 2020/2021. A safra de grãos, de qualquer forma, encolherá de 257,02 milhões para 253,98 milhões de toneladas, num recuo de 1,2%, frustrando a expectativa de novo recorde.

Em abril deste ano, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) trabalhava com a possibilidade de uma colheita em torno de 273,80 milhões de toneladas ou 19,8 milhões de toneladas a mais. Além dos grãos, a produção de cana na região Centro-Sul deverá encolher em torno de 12% no ciclo 2021/2022, no pior resultado em dez anos, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). As perdas estão estimadas em 75 milhões de toneladas, para uma colheita próxima de 530 milhões de toneladas, sob efeito das geadas e de incêndios nos canaviais.

A instabilidade das chuvas, produto direto das mudanças climáticas, tem se tornado mais frequente ano a ano, em geral marcada por períodos de estiagem em momentos decisivos para as lavouras e, neste ano, por geadas em fases críticas para as lavouras. Eventos adversos, observa Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que “ocorriam a cada dez anos, passaram a se repetir de cinco em cinco anos, depois de três em três anos, numa sequência que preocupa o setor e vem se encurtando, numa comprovação dos efeitos das mudanças climáticas”.

Coordenador de sustentabilidade da CNA, Nelson Ananias teme que a agricultura irrigada, já atingida pela alta nos custos da energia, venha a sofrer problemas no suprimento de água, já que a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, não define como prioritário o uso da água para a irrigação. O baixo nível dos reservatórios na principal região de produção reforça os temores antecipados por Ananias.

Os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que, em 27 de agosto deste ano, o volume de energia armazenada no sistema das regiões Sudeste e Centro-Oeste representava 22,09% de sua capacidade máxima, diante de 42,34% no mesmo mês do ano passado.

A irregularidade do clima, agravada especialmente pela geada ocorrida na segunda quinzena de julho, deverá reduzir o recebimento de grãos na Coamo, a maior empresa do ranking do setor. Mas a alta nos preços agrícolas tenderá a mais do que compensar a perda, mantendo o faturamento da Coamo ainda em crescimento neste ano, projeta Airton Galinari, presidente- executivo da cooperativa. Em meio à pandemia, a Coamo registrou em 2020 “o melhor ano de sua história”, recepcionando em suas 111 unidades espalhadas pelo Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul em torno de 9,276 milhões de toneladas de soja, milho e trigo.

Galinari, da Coamo: alta dos preços mais do que compensou quebra na produção — Foto: Divulgação (Reprodução Valor Econômico)

Fonte: Valor Econômico (https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/09/30/valor-1000-clima-frustra-recorde-na-safra-de-graos-deste-ano.ghtml)

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