Valor Econômico/Daniel Rittner – O relatório final da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) não colocou grandes ressalvas à privatização do Porto de Santos (SP). As determinações e recomendações de ajustes foram consideradas pequenas pelas principais autoridades envolvidas no projeto, que era uma das prioridades do governo Jair Bolsonaro na área de infraestrutura, mas sofreu com atrasos.
O documento da Secretaria de Fiscalização da Infraestrutura Portuária e Ferroviária (Seinfra Porto Ferrovia) foi encaminhado para o gabinete do relator, ministro Bruno Dantas, que pretende pautar o processo em sessão plenária na próxima semana. No entanto, uma articulação nos bastidores tem sido promovida para que um dos ministros do tribunal peça vista e adie a decisão sobre o assunto. Auxiliares do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já indicaram que são contra o projeto e não estão dispostos a levar adiante a privatização em 2023.
Dois ajustes nos estudos enviados ao TCU, em 23 de setembro, foram feitos voluntariamente pelo governo ao longo das conversas com os auditores do tribunal. Um deles foi o aumento da taxa de retorno (WACC), que subiu dos 7,35% propostos inicialmente para 8,73% ao ano. Outro foi a mudança no valor mínimo de outorga, que caiu de R$ 3,015 bilhões para R$ 2,557 bilhões.
O que está em jogo é a privatização da Santos Port Authority (antiga Codesp) e, junto, a concessão da autoridade portuária por 35 anos, com uma eventual extensão por cinco anos (se houver necessidade de reequilíbrio econômico). O contrato prevê R$ 6 bilhões investimentos e outros R$ 20,6 bilhões em despesas operacionais, incluindo dragagem.
O Porto de Santos, segundo maior da América Latina e 45º do mundo em contêineres, movimenta 27% de todo o comércio exterior brasileiro. No ano passado, recebeu 147 milhões de toneladas de cargas e 4,8 milhões de contêineres. Dez mil caminhões e 1,2 mil vagões de trem passam pelo complexo portuário por dia.
Entre as melhorias citadas pelos defensores do projeto estão o aprofundamento dos canais aquaviários para 16 metros em 2026 e 17 metros em 2033 (hoje são 15 metros), novos berços de atracação dos navios, a realocação do terminal de passageiros para a região do Valongo, investimentos de R$ 664 milhões em obras rodoviárias e a construção de um túnel imerso Santos-Guarujá. A implantação do VTMIS (sistema de gestão do tráfego portuário) e do ISPS Code (sistema de segurança) também integra as exigências do futuro contrato.
Os críticos ressaltam que falta experiência internacional relevante de um modelo como o seguido para Santos e que não houve um teste significativo dentro do próprio Brasil. A única companhia docas já privatizada – a Codesa (ES) – teve seu contrato assinado há apenas dois meses.
O PT tem preferência por uma abertura de capital da Santos Port Authority, mas mantendo o controle nas mãos do Estado, além da concessão de serviços específicos (como a dragagem) e de metas de desempenho para a diretoria.
Os terminais portuários responsáveis pela movimentação efetiva das cargas já são operados pela iniciativa privada desde os anos 1990. O que ficou nas mãos do Estado são as administrações portuárias. Mal comparando, os terminais são como lojas dentro de um shopping. As administrações são o próprio centro comercial, que amplia e mantém a infraestrutura local.
Sem um aval do novo governo, o edital do leilão poderá até ser publicado, mas o certame não ocorreria efetivamente. Por isso, a fim de evitar constrangimento à futura gestão, articula-se o pedido de vista por um ministro do TCU.
No relatório da área técnica, embora não haja um obstáculo definitivo à privatização do porto, os auditores manifestam dúvidas sobre o túnel imerso Santos-Guarujá. Essa obra corresponde a R$ 4,2 bilhões dos R$ 6 bilhões de investimentos no período inicial.
A Seinfra destaca aspectos como os riscos de construção e a baixa densidade dos estudos de demanda para o túnel. O ano de referência foi 2019 (pré-pandemia), a contagem de tráfego ocorreu durante só sete dias e excluiu fins de semana, em uma região de veraneio. O cálculo da tarifa para uso do túnel – uma simples média entre o pedágio da rodovia e a tarifa da balsa – entre as duas cidades, também foi criticada. Da mesma forma, os auditores questionaram a isenção total para motocicletas.
O ineditismo da obra, com riscos que “serão precificados pelos eventuais interessados” e “podem impactar o resultado do certame”, é outro ponto levantado. “A metodologia de túnel imerso nunca foi utilizada no país e a inovação, quando associada a projeto menos desenvolvido, amplia os riscos da construção. A adoção do método de túnel imerso no país, de ampla aplicação na Europa, EUA e Ásia, pode ensejar a utilização de recursos adicionais para enfrentar as condições locais, além da indisponibilidade de equipamentos específicos, materiais construtivos e mão de obra especializada.”
Fonte: Valor Econômico/Daniel Rittner /Daniel Rittner (https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/11/14/relatorio-do-tcu-da-aval-a-privatizacao-do-porto-de-santos.ghtml)
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