Símbolo das obras que se arrastam há anos no Brasil, a ferrovia Transnordestina poderá voltar para as mãos do Estado caso o empresário Benjamim Steinbruch – dono da CSN – não consiga convencer a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de que cumpriu todas as cláusulas do contrato. A agência iniciou dois processos administrativos que podem culminar na retomada da concessão.
O mais avançado envolve a malha em operação da chamada velha Transnordestina – resultado da privatização da malha ferroviária do Nordeste na década de 1990. Nesse caso, a agência deve soltar o relatório final nas próximas semanas. O documento trará uma indicação se o governo deve ou não declarar a caducidade (extinção) da concessão. Quem decidirá o futuro da ferrovia será o Ministério de Infraestrutura.
O caso mais grave, no entanto, envolve a nova Transnordestina, em construção há 13 anos. Desde o ano passado, as obras estão paralisadas por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) que viu problemas “de ordem técnica e financeira”. De acordo com a Corte, o andamento das obras é incompatível com a execução financeira inicialmente prevista.
Iniciado em 2006, o projeto teve seu orçamento revisto algumas vezes. Os primeiros estudos apontavam que o valor mais razoável da obra girava em torno de R$ 8 bilhões. Mas o governo pediu mudanças e reduziu o montante para R$ 4,5 bilhões. Em 2012, o orçamento já estava em R$ 5,4 bilhões, e subiu para R$ 7,5 bilhões depois de uma série de negociações entre os acionistas. Atualmente o empreendimento está em R$ 11,2 bilhões.
Até dezembro do ano passado, a concessionária responsável pelas obras já havia gasto R$ 6,45 bilhões para construir apenas 600 km de estrada de ferro. Ou seja, um terço do percurso total de 1.753 km. Na média, a empresa construiu 45 km por ano de ferrovia – nesse ritmo, a empresa demoraria mais de 20 anos para concluir o projeto.
Do montante investido até agora, R$ 1,3 bilhão – ou 20% do total – saiu dos cofres da CSN. Outros 61% foram financiados por fundos públicos destinados a projetos no Nordeste, como Finor, FNE e FDNE, e pelo Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A estatal Valec colocou R$ 1,2 bilhão no empreendimento.
A participação da empresa federal começou em 2011, quando a CSN teve de revisar o orçamento. Para continuar as obras, o governo federal costurou um acordo de investimento com a CSN para a entrada da Valec no empreendimento e também a prorrogação do contrato de concessão. Na época, a estatal aportou R$ 164 milhões e passou a deter 10,6% do capital total da Transnordestina. De lá para cá, essa fatia quadruplicou para 39%.
Para o TCU, esse aumento de participação não foi embasado em análises técnicas, econômicas ou financeiras, o que culminou numa auditoria na empresa. “O ingresso no empreendimento foi baseado principalmente em análises jurídicas, pareceres legais de diversos órgãos, bem como em decreto presidencial de abertura de crédito orçamentário”, destaca o TCU em sua análise.
No documento, a Valec afirma que participou do capital da Transnordestina “única e exclusivamente para atender ações prioritárias do governo”. Hoje, o empreendimento que nasceu privado, tem 53,7% de capital público. Mas quem dá a palavra final continua sendo a CSN, que detém 92,6% do capital votante da empresa.
Ferrovia ainda está sob análise da ANTT
Diante de todo vaivém do projeto para tirar a Transnordestina do papel, a ANTT decidiu entrar em campo e abrir um processo administrativo para fiscalizar a obra. No momento, a agência está analisando o recurso da empresa com as justificativas para o atraso das obras. Somente após essa fase ela terá condições de fazer o relatório final, que será entregue ao Ministério de Infraestrutura.
Recentemente, o ministro Tarcísio Freitas afirmou que o governo está tomando todas as providências para resolver o caso e citou o processo aberto pela ANTT, que pode terminar em caducidade. O ministro destacou que uma das saídas para as concessões com problema é a relicitação, já que uma renegociação pode incentivar outros concessionários a seguir o mesmo caminho.
A Transnordestina afirmou que está em tratativas com o governo para resolver o caso e a ANTT disse que segue com o processo na averiguação de descumprimento dos contratos. No total, as duas concessões – a malha nova e a velha – já receberam 122 autos de infração, que somam R$ 16,6 milhões.
O desenho atual da Transnordestina foi proposto por Benjamim Steinbruch para o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo fontes que acompanharam o processo na época, originalmente o projeto era uma extensão da malha existente. Foi aí que surgiu a ideia de uma ferrovia que ligasse o sertão nordestino aos portos do Nordeste.
A estrada de ferro começa no sertão do Piauí e seus 1.753 km de trilhos passarão por cerca de 80 cidades em três Estados, até chegar aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE). Foi desenhada para escoar a produção de novas fronteiras agrícolas e incentivar investimentos no semiárido, como exploração de ferro e gesso.
Para ficar de pé, no entanto, o governo ajudou a CSN a arregimentar recursos com os fundos regionais para montar a estrutura financeira do empreendimento. Com a modelagem definida, a obra foi iniciada sem um projeto executivo detalhado – o que explica os constantes saltos no orçamento ao longo da obra, que ainda está distante de se tornar realidade.
Fonte: Estadão
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