Logo depois de ter arrematado a concessão da Ferrovia Norte-Sul, com um ágio surpreendente de 100% sobre o valor mínimo de outorga, a Rumo obteve outra vitória importante: o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de concluir sua análise técnica sobre a renovação antecipada do contrato da Malha Paulista e não colocou nenhum grande obstáculo à assinatura de um termo aditivo.
A análise da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária foi finalizada na quinta-feira da semana passada, mesmo dia do leilão da Norte-Sul, e pode finalmente destravar investimentos perto de R$ 7 bilhões em troca de 30 anos adicionais de concessão. O contrato atual da Malha Paulista, que cruza todo o interior de São Paulo e chega ao Porto de Santos, expira em 2028.
O processo foi encaminhado para manifestação do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao TCU, e precisará ser apreciado pelos ministros do tribunal em plenário.
A conclusão favorável da área técnica, no entanto, abre caminho para o aditivo da Rumo porque atesta a legalidade da proposta e a vantajosidade para o interesse público (quando se compara com o cumprimento do contrato até o fim e a relicitação da ferrovia). O relator do processo, ministro Augusto Nardes, pode até ter uma avaliação diferente. Mas teria que apresentar argumentos muito consistentes para contrariar os auditores do órgão de controle – vistos sempre como rigorosos em suas análises.
Trata-se, ainda, de excelente notícia para o governo. A Malha Paulista, da Rumo, foi o primeiro de uma série de outras renovações antecipadas de concessões ferroviárias em andamento. É o caso das estradas de ferro Carajás e Vitória-Minas, ambas da Vale, que já cumpriram a etapa de audiências públicas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Elas vão passar em seguida pela mesma análise no TCU e as conclusões válidas agora devem balizar outras mais adiante.
No caso da Vale, a União quer que a mineradora banque obra bilionária para erguer 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) como contrapartida à extensão contratual por 30 anos. MRS Logística e FCA também solicitaram renovação.
Alguns trechos do relatório de 171 páginas sobre a Malha Paulista, obtido pelo Valor, demonstram o aval à tese da prorrogação antecipada do contrato. Como ocorre frequentemente nos documentos técnicos do TCU, não há frases taxativamente favoráveis. O sinal verde é dado com a ausência de propostas da Seinfra para determinações de mudanças que tornem inviável ou atrasem ainda mais o termo aditivo.
Ao analisar a viabilidade jurídica da prorrogação, os técnicos do TCU entenderam não haver “qualquer indício de que os estudos ora em análise estejam em desconformidade com a política pública concernente ao transporte ferroviário”. E acrescentam: “Portanto, não se vislumbra proposta de encaminhamento”.
Em outro ponto do relatório, eles concluem que a prorrogação não contraria o interesse público e nem a isonomia entre agentes do setor. “As alterações contratuais a serem realizadas com eventual assinatura do termo aditivo não resultarão em inobservância dos princípios do dever de licitar; da isonomia; da escolha da proposta mais vantajosa para a Administração Pública; da vinculação ao instrumento convocatório; do prazo determinado dos contratos de concessão; da segurança jurídica e da força obrigatória dos contratos.”
A renovação antecipada da Malha Paulista, pioneira no setor, tem caminhado a passos lentos e pagado o preço do ineditismo. Em novembro de 2015, a Rumo protocolou um pedido formal na ANTT. Pouco mais de um ano depois, em dezembro de 2016, a agência abriu audiência pública para receber contribuições e ajustar a proposta inicial.
No meio do caminho, surgiu a Lei 13.448 de 2017, que deu amparo jurídico às prorrogações dos contratos. Os aditivos, contudo, ficaram condicionados à análise prévia do TCU. Diante da complexidade, o governo do ex-presidente Michel Temer não conseguiu entregar a assinatura da extensão contratual no fim do ano passado, como queria. Há objeções, ainda não totalmente contornadas, do Ministério Público Federal (MPF) e de entidades como a Ferrofrente.
Esse longo percurso fez com que alterações relevantes tenham sido incorporadas no plano original de renovação antecipada da Malha Paulista, em um movimento pouco comum para audiências públicas, frequentemente acusadas de ter um mero caráter cosmético de discussão.
Entre as evoluções, foi estabelecida a necessidade de apresentação de projetos executivos de engenharia (com nível de detalhamento maior) para todas as obras do novo contrato, como a duplicação do trecho de 111 quilômetros entre Itirapina e Campinas.
O pagamento de outorga, que seria de R$ 1,28 bilhão em parcelas trimestrais ao longo de 30 anos, foi convertido em acréscimo aos recursos a serem investidos na superação de conflitos urbanos – como o cruzamento da linha férrea com ruas e avenidas.
As intervenções na sobrecarregada Malha Paulista permitirão aumentar sua capacidade de transporte das atuais 30 milhões para 75 milhões de toneladas por ano. O problema é que existem estimativas de que essa ampliação enfrentará novos gargalos em pouco tempo. Para atenuar esse risco, em um contrato até 2058, a solução encontrada foi ter cláusulas com gatilho de investimento.
Por esse mecanismo, está sendo criado um índice de saturação da ferrovia, que precisará ficar sempre abaixo de 90% em determinados trechos. Quando necessário, haverá ampliação de capacidade, sem direito de reequilíbrio econômico do contrato.
Fonte: Valor Econômico
©2024 | GBMX Creating Paths | All rights reserved
Share on social media