Do minério à carga geral

Revista Ferroviária – No último dia 1º de junho, o projeto de renovação antecipada do contrato de concessão da Malha Sudeste, operada pela MRS Logística, foi aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Quarta ferrovia a receber sinal verde da Corte para prorrogação do contrato por mais 30 anos, depois da Malha Paulista, Estrada de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás, a MRS foi a única a entregar seu relatório com a inclusão de todos os projetos em nível executivo, tanto da parte de investimentos para ampliação de capacidade, quanto daqueles de interesse público e conflitos urbanos. Essa foi apenas uma das inovações contidas em sua modelagem, que traz também uma série de adaptações regulatórias e projetos bilionários, visando transformar o market share da ferrovia nos próximos anos.

“Foi o único processo de prorrogação em que a gente teve todos os projetos executivos. Isso trouxe muito mais segurança e assertividade no valor que está sendo previsto e também reduz um pouco os riscos na fase de execução das obras. Estamos falando de muito trabalho por trás e esses projetos também foram analisados no âmbito da agência, inclusive a qualidade da avaliação técnica foi ressaltada pelo Tribunal”, afirma Larissa Wendling, gerente de Investimentos e Operação da ANTT.

Com a renovação de seu contrato, a concessionária pretende investir R$ 9,6 bilhões até 2056, em obras para aumento da capacidade da via, aquisição de material rodante (locomotivas e vagões) e nos chamados projetos de interesse público – categoria de investimentos que foi muito abordada na prorrogação da MRS. Trata-se de um conceito diferente do de investimento cruzado, quando a outorga da renovação é direcionada para projetos fora da faixa de domínio da concessionária. Esse foi o modelo aplicado, por exemplo, na prorrogação do contrato da EFVM, cuja outorga está sendo utilizada para a construção pela Vale de 383 km da Ferrovia de Integração Centro-Oeste, entre Água Boa (MT) e Mara Rosa (GO).

Os investimentos de política pública são voltados para a própria ferrovia que pleiteia a renovação, mas não necessariamente são projetos apenas para aumentar a capacidade de via. Eles são pensados para melhorar a eficiência logística ferroviária como um todo. No caso da MRS, foi decidido pelo governo federal que a empresa teria que garantir a infraestrutura necessária para estimular o aumento da movimentação de carga geral na ferrovia. “O interesse público é na diversificação da matriz ferroviária”, completa Redson Vieira Gonçalves, gerente substituto de Modelagem Econômico-Financeira da ANTT. Com a renovação, os investimentos em política pública da MRS devem alcançar no total R$ 3,2 bilhões.

Duas inovações regulatórias, explica Gonçalves, foram adotadas na modelagem da MRS para garantir esse incentivo à movimentação de carga geral. Um ponto no termo aditivo da Malha Paulista e que foi replicado em todos os contratos seguintes é o compartilhamento de parte das receitas da produção ferroviária com o poder concedente. Foi adotada uma fórmula específica para isso, em que é calculada essa porcentagem. É a chamada outorga variável, aprovada pelo ministro do TCU e relator do projeto de renovação da Malha Paulista, Augusto Nardes.

No contrato da MRS, esse compartilhamento está previsto nas receitas auferidas com a movimentação de todos os tipos de carga, com exceção dos contêineres. “Fizemos uma segregação entre os tipos de cargas transportadas, de forma que com o minério, a parte de heavy haul, mantivemos a fórmula, mas para a carga conteinerizada não exigimos esse compartilhamento. A concessionária se beneficia mais ao fazer a transferência da sua produção para carga geral. Tivemos uma discussão intensa com o Tribunal para demonstrar as vantagens de se fazer isso, em nome da política pública”, explica Gonçalves.

A segunda medida regulatória para estimular a diversificação de carga na ferrovia será o acompanhamento por parte da ANTT da movimentação de contêineres pela MRS. Explica-se: parte da outorga da concessionária está voltada para a construção de terminais que possam dar suporte a esse aumento de carga conteinerizada. Além dessa obrigação de garantir a infraestrutura necessária, a operadora terá que ser produtiva nesses terminais, para que não tenha nenhum acréscimo à outorga, diz Gonçalves: “Além de cobrarmos pela implantação desses terminais voltados para carga geral, a gente vai ter também o acompanhamento da movimentação deles – que é uma coisa que a gente não faz para outros investimentos”, ressalta.

Entre os investimentos que a MRS terá que fazer para adequar a infraestrutura para a maior movimentação de carga geral está a construção de um terminal intermodal, incluindo um ramal ferroviário de 14 km e um sistema de sinalização em Igarapé (MG). A estrutura vai estar equidistante da BR-381 (Fernão Dias), que liga as regiões metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte, e da BR-040 (que começa em Brasília, atravessa Minas Gerais, chegando no Rio de Janeiro). Só nesse projeto está previsto investimentos de R$ 180 milhões.

A concessionária terá ainda que construir terminais em Queimados (RJ), na Lapa e na Mooca (ambos na Grande São Paulo) e pátios HUB em São Paulo e no Rio de Janeiro. A ideia é criar uma integração logística na região Sudeste, ligando por meio de terminais e pátios os três estados por onde a ferrovia passa: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio, por exemplo, haverá investimentos de melhorias no pátio de Araxá, próximo ao porto da capital fluminense, onde a empresa pretende adentrar com trens maiores de carga geral.

Nova vocação

Leiloada em setembro de 1996, a Malha Sudeste, antiga SR-3 e SR-4 da RFFSA, tem peso estratégico por conta de sua localização geográfica. A ferrovia de 1.643 km interliga as três regiões metropolitanas mais populosas do país (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), além de cinco portos (Rio de Janeiro, Itaguaí, Guaíba, Sepetiba e Santos). Pelo trecho da MRS são transportadas cerca de 28% de toda a carga ferroviária do Brasil e 20% do volume de exportações. Em Minas Gerais, principal região produtora de minério de ferro do país, os trilhos passam desde Belo Horizonte até Nova Lima, Congonhas, Itabirito entre outras cidades mineradoras – região conhecida como quadrilátero ferrífero.

Não à toa, nos últimos 26 anos de concessão, o minério de ferro foi protagonista nessa história. Embora a mudança de visão da concessionária com relação à diversificação de cargas não seja algo recente, a commodity ainda representa 64% da movimentação da MRS contra 32% de carga geral. Esse número vai mudar drasticamente nos próximos anos, garante o presidente da MRS, Guilherme Segalla de Mello. “Queremos chegar a 51% de carga geral. A ideia é que o minério cresça ainda, mas não tanto. E a carga geral vai começar a ter uma preponderância maior. No final desse novo período de concessão, a empresa vai ser meio a meio, metade minério, carvão, e a outra metade siderurgia, carga geral, contêiner”.

O potencial, segundo ele, está na captação de carga industrializada, numa região que concentra mais da metade do PIB do país. No Vale do Paraíba localidade que vai receber investimentos expressivos da concessionária na expansão de pátios, sinalização, intervenção de via e construção de terminais, há uma lista de insumos com vocação ferroviária.

“É uma região com uma grande quantidade de indústrias relevantes, seja de fabricantes de produtos acabados, seja de indústrias que recebem insumos. Existe o polo automotivo de Resende. Já atendemos todas aquelas grandes indústrias, não transportamos carros, mas uma série de partes e peças para a fabricação deles”, diz Mello, acrescentando que a concessionária está fazendo testes com produtos perecíveis, entre alimentícios e bebidas. “O leque é amplo, itens de vestuário, mochila, já são bem fortes na carga conteinerizada. Outro mundo que vamos estudar mais para frente é a carga refrigerada”.

O presidente da MRS lembra que praticamente todos os projetos previstos com a renovação “conversam” com o objetivo de aumentar a movimentação de carga geral na ferrovia. Pode-se dizer que o principal deles – e que está dentro do grupo de investimentos em política pública – é a segregação de vias na Grande São Paulo, para solucionar o conflito entre carga e passageiros na região. Atualmente, MRS e CPTM compartilham os mesmos trechos entre Jundiaí e Rio Grande da Serra.

O projeto, chamado de Segregação Noroeste/Sudeste, prevê a construção de 54 km de linha exclusiva para carga entre Jundiaí e Barra Funda e 36 km também de linha exclusiva para trens da MRS entre Mooca e Rio Grande da Serra. O projeto está avaliado em R$ 1,6 bilhão e foi idealizado em substituição ao Ferronael, via greenfield de 53 km entre Perus e Itaquaquecetuba, cuja previsão inicial de custo era de R$ 6 bilhões. A complexidade técnica (impacto ambiental, desapropriações, obras de arte especiais e túneis) do projeto explicaria o seu custo alto e a consequente substituição do projeto pela segregação.

O único trecho que não será segregado é entre Mooca e Barra Funda, de 6 km, que inclui as estações da Luz e Brás e recebe os trens das linhas 7-Rubi e 11-Coral da CPTM. O motivo é a falta de espaço físico para a construção de novas linhas. Além disso, há outras questões envolvidas como o tombamento da estação da Luz, e alguns entraves burocráticos. No entanto, esse trecho precisará ser remodelado para suportar trens maiores e locomotivas mais modernas que chegarão através da via exclusiva que será construída. A modernização deverá incluir troca de trilhos, dormentes e AMVs. Com relação à sinalização, as composições da MRS poderão utilizar no trecho o sistema ATC, já adotado pela CPTM. O CBTC somente deverá ser usado pela MRS nos trechos segregados.

Hoje passam pelo trecho compartilhado as locomotivas mais antigas da frota da MRS, como a GE U20 e GE MX30. Com a modernização da via e a segregação das linhas, máquinas mais potentes como a AC44i (Wabtec) poderão circular nessa via. Os trens de carga que hoje circulam entre Mooca e Barra Funda atualmente não passam de 300 metros durante o dia e 600 metros à noite. Com a remodelação prevista, poderão mais que dobrar de comprimento: 800 metros de dia e 1.500 metros à noite. A linha poderá ser reforçada com trilhos de perfil TR 68, que suportam cargas mais pesadas. Ao todo serão construídos 12 pátios de cruzamento na região, além dos terminais intermodais na Mooca e na Lapa.

Obra complexa
Todo o processo está sendo estudado juntamente com a CPTM. A concessionária e a companhia de trens metropolitanos deverão assinar um convênio em breve estipulando como será o convívio entre as duas empresas durante as obras e as responsabilidades de cada parte. As conversas estão avançadas, mas o início da construção efetivamente ainda deve levar algum tempo. O cronograma previsto pela ANTT é de oito a dez anos para a obra estar concluída. Só os dois primeiros anos serão tomados pelo processo de obtenção de licenças ambientais e desapropriações, além do aprimoramento do projeto de engenharia.

É uma obra, nas palavras de Mello, extremamente complexa por envolver duas grandes empresas, com operações diárias significativas na região. Outro ponto que torna o projeto ainda mais dificultoso é a provável chegada de um terceiro ente, uma vez que o governo de São Paulo pretende conceder para uma empresa privada a Linha 7-Rubi e a operação do futuro Trem Intercidades (TIC), que ligará a capital paulista a Campinas através de um sistema regional de média velocidade. A Segregação Noroeste/Sudeste prevê a construção de uma linha exclusiva para carga, liberando as duas existentes para o transporte de passageiros. O projeto inclui ainda a disponibilização de faixa de domínio para a futura linha do TIC.

“No mundo ideal seriam seis linhas, duas pra MRS para resolver a nossa vida, duas para o trem parador e duas para o Trem Intercidades. Depois de muita análise e refinamento de engenharia, entendemos que não há faixa de domínio suficiente para seis linhas. Mas cabem quatro linhas, com muita sinalização e automação ferroviária”, afirma Mello, explicando a complexidade do projeto:

“Vamos construir uma ferrovia com o trem passando. Usando aquele jargão, ‘trocando pneu do ônibus com o ônibus andando’. E é uma obra que só trará benefício para a população e para a MRS quando estiver totalmente pronta, não há ganhos intermediários. Enquanto estivermos trabalhando nela, haverá limitação para trens da CPTM em horário de grade para fazer alguma intervenção, vamos tirar toda a sinalização de um lugar e colocar na linha ao lado, vamos desmontar estruturas. É uma engenharia supercomplicada, mas que temos que avançar e saber exatamente o que vamos fazer em cada madrugada, de meia noite às quatro da manhã, porque às cinco já tem trem operando com passageiros”.

O projeto de segregação de via será um divisor de águas para o transporte de carga geral, acrescenta Mello. Não só pelo potencial de carga e do tamanho do mercado consumidor que existe na região metropolitana de São Paulo, mas também por adequar a infraestrutura ferroviária para trens mais longos e até de outros operadores que queiram passar no trecho. “Hoje há uma limitação gigante. A MRS limita o crescimento da CPTM e a CPTM também limita a MRS.

Ferradura: um capítulo à parte

Objeto de polêmicas durante os estudos para a renovação do contrato da MRS, a Ferradura de Santos ganhou, literalmente, um capítulo à parte tanto no relatório da ANTT quanto no acórdão aprovado pelo TCU. Com cerca de 20 km na margem direita e 24 km na margem esquerda, a Ferradura é a linha de acesso à ferrovia interna do Porto de Santos, atualmente sob operação da Portofer (arrendada à Rumo). Trata-se de um trecho que faz parte da concessão da MRS e que opera majoritariamente cargas de direito de passagem. Segundo a Autoridade Portuária de Santos (SPA, na sigla em inglês), em 2020, cerca de 77% das cargas que nela circulam vieram de trens da Rumo, outros 8% da VLI e 15% da MRS.

Esse modelo mais horizontal de operação na Ferradura foi questionado por agentes envolvidos na elaboração do projeto da Ferrovia Interna do Porto de Santos (Fips). Capitaneado pela SPA, o projeto, aprovado recentemente pelo TCU, prevê uma nova gestão dos 100 km de linhas ferroviárias existentes dentro do porto. Durante as discussões sobre a nova modelagem, foi cogitada a retirada da Ferradura da concessão da MRS, para que tanto as linhas internas do Porto quanto o trecho de acesso ao complexo portuário fossem administrados por uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), composta pela Rumo, VLI e MRS.

À época, a ideia teve apoio da SPA e, principalmente, da Rumo (maior utilizadora do trecho da Ferradura, em termos de volume de carga) e passou a ser objeto de estudos por parte da ANTT. Foram analisados cinco cenários. O primeiro deles classificado como “nada a fazer”, ou seja, aguardar o término do contrato de concessão para organizar um novo processo licitatório. O segundo foi intitulado “Prorrogação mantendo a Ferradura”. O terceiro referia-se à “Prorrogação retirando a Ferradura e incorporando- a à Fips”. O quarto foi definido como “Prorrogação mantendo a Ferradura com integração à Fips”. Por fim, o quinto: “Prorrogação retirando a Ferradura e incorporando- a à Fips para nova licitação”.

“Analisamos cada uma dessas possibilidades através da sistemática de AIR (Análise de Impacto Regulatório), em que utilizamos os critérios de efetividade e eficiência para as diferentes alternativas. Chegamos à conclusão que o mais interessante seria manter o trecho da Ferradura dentro da MRS, mas fazer todo um arranjo operacional para que a gente tivesse uma otimização dessa operação”, explica Marcelo Fonseca, gerente de Estruturação Regulatória da ANTT.

A concessão da Ferradura se manteve dentro do contrato da MRS, mas em troca de uma série de investimentos que entraram no caderno de obrigações da concessionária para os próximos anos. A ANTT inseriu dentro do capex da renovação uma categoria dedicada aos investimentos na Baixada Santista, que devem somar nos próximos anos cerca de R$ 1 bilhão. A otimização da Ferradura a qual Fonseca se refere deve passar tanto pela parte operacional quanto de infraestrutura do trecho. “Gerando um resultado melhor em termos de entrega, integração e automatização com o Porto de Santos”, completa o gerente.

Há uma lista robusta de investimentos, como a ampliação de pátios, construção de oficinas, modernização do sistema de cremalheira e da sinalização nas margens esquerda e direita. Alguns pátios de cruzamentos, por exemplo, serão adequados para o atendimento do trem tipo de 120 vagões da Rumo. Fonseca explica que foi desenvolvido um cronograma contendo cinco fases de implementação por parte da MRS.

“Primeiramente nós teremos a formalização de todas as regras e que hoje são feitas de forma manual, de comunicação entre operadores. Elas vão ser todas colocadas no papel, teremos tudo especificado nessa integração.

Posteriormente, passaremos para a fase de automatização, ou seja, colocar dentro de um sistema todas essas regras, para o desenvolvimento de algoritmos que farão automaticamente a locação das cargas de forma mais eficiente”, adianta o gerente da ANTT.

A última fase contempla a instalação de um Centro de Controle Operacional (CCO) integrado entre as três operadoras (MRS, Rumo e VLI), que terão assento dentro do espaço, com acesso a todos os painéis que darão os comandos para o despacho dos trens de forma automática. “E, por fim, permitindo ainda que, futuramente se tivermos outras operadoras que acessem também o Porto de Santos, que elas se integrem nessa célula. Criamos um conceito de célula integrada dentro desse CCO da Baixada Santista, que vai envolver toda a operação tanto da Ferradura quanto da Fips”.

O presidente da MRS diz que combateu a ideia de retirar a Ferradura do contrato por entender que a concessionária sempre cumpriu com os investimentos prometidos e se antecipou à capacidade futura. “O mais importante em Santos é haver uma conversa franca a respeito dos volumes futuros. Ninguém tenta fazer reserva de mercado, com promessa de volume que depois não se realiza, porque isso se traduz em más decisões em investimentos ferroviários”.

De acordo com Mello, houve aumento significativo da movimentação no trecho desde o início da concessão, em 1997, quando foram registrados 5 milhões de toneladas úteis. Em 2021 foram transportadas 51 milhões de toneladas úteis. Atualmente, 80% da capacidade instalada da via é utilizada para a movimentação de carga. Com o plano de modernização na Baixada, a operadora espera dobrar, até 2056, o volume que é transportado hoje – para 100 milhões de toneladas. “Esse número conversa com as ambições de crescimento da Rumo e da VLI. Daqui a 10 anos já teremos um volume grande, de 70 milhões de toneladas. O horizonte depende de uma série de fatores, como efeitos climáticos, condições da safra. Mas nosso compromisso é ao final do período de concessão”, completa.

A questão da tarifa

Outro fator avaliado pela ANTT foi a tarifa de direito de passagem cobrada atualmente pela MRS para os trens da Rumo e da VLI acessarem a Ferradura. O preço atual é de R$ 6 por tonelada, segundo Redson Gonçalves, da ANTT, valor que foi considerado alto pela agência e não condizente com os custos efetivos da MRS no trecho. “Foi feito um modelo econômico financeiro segregado especificamente para a Ferradura, de modo que pudéssemos estabelecer uma tarifa que realmente pagasse a operação e manutenção do trecho. E chegamos numa tarifa bem mais baixa, que vai ser implementada assim que o termo aditivo for assinado”. A decisão foi pela redução para cerca de R$ 2/ tonelada. O novo preço, de acordo com o gerente da ANTT, será suficiente para financiar os investimentos previstos, uma vez que, embora a tarifa tenha sido reduzida, a previsão é de aumento de volume de carga transportada no trecho. “Sem contar que isso também atendeu aos anseios do poder concedente que desejava essa redução de tarifa. Você tem um ganho de eficiência, de produtividade, e no fim isso financia todos os investimentos necessários. Temos confiança de que vai ajudar a aumentar a carga ferroviária que acessa o Porto de Santos, como é previsto também no próprio planejamento da SPA”.

A Ferradura é tratada de forma diferenciada dos demais trechos da MRS, por ter características diferentes de operação, explica Marcelo Fonseca, gerente da ANTT. Em todas as linhas da ferrovia, com exceção da Ferradura, existe a lógica de que se houver um aumento da utilização da via, naturalmente a concessionária acaba incorporando os ganhos desse aumento da produção. Ou seja, há uma relação direta com o interesse da empresa na ampliação da própria capacidade. Nos termos aditivos assinados até agora, a ANTT implementou um índice de saturação da ferrovia, que obriga a concessionária a investir no crescimento da capacidade sempre quando essa atingir 90%. Nesse modelo, o risco de ampliação dessa capacidade fica por conta da operadora, porque entende-se que há ganhos com o incremento do volume.

Sete anos até a renovação
Entre o pedido feito pela MRS em abril de 2015 e o aval da Corte passaram-se sete anos. Em 2017, a operadora apresentou à ANTT o seu plano de negócios, contendo estudos preliminares para definição da outorga e investimentos. Nos dois anos seguintes, esse documento foi objeto de análises e amadurecimento por parte da agência, ministério da Infraestrutura, prefeituras de cidades por onde a ferrovia atravessa, comunidades e todos os stakeholders impactados pelo projeto de renovação da MRS.

Em 2020, enquanto a Rumo Malha Paulista assinava a primeira prorrogação antecipada de um contrato de concessão de ferrovia no país, a MRS dava prosseguimento à elaboração de projetos de engenharia para os investimentos previstos no plano de negócios. Em novembro de 2021, o documento foi para a mesa do TCU, que o aprovou em cerca de sete meses. Essa tem sido a média de tempo que os processos de renovação permanecem no Tribunal depois que o mesmo deu sinal verde para a Malha Paulista. Por ter sido o pioneiro, o acórdão da Malha Paulista trouxe premissas técnicas e regulatórias que foram replicadas nos projetos seguintes.

A assinatura do termo aditivo da MRS depende agora da conclusão do documento final da prorrogação pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT). Pelos trâmites legais, a agência deve entregar esse relatório ao Tribunal até 15 dias antes da provável data de assinatura, incluindo nele as determinações e as justificativas para adoção ou não das recomendações contidas no acórdão. A expectativa é que o processo seja concluído ainda no mês de julho.

Compensação no preço

No caso da Ferradura, a situação é inversa, uma vez que a MRS não é majoritária em termos de transporte no trecho, inviabilizando, segundo Fonseca, a locação de risco ideal que é utilizada nas demais linhas da ferrovia. “Fizemos um ajuste, porque a MRS trabalha mais como um gestor da infraestrutura na Ferradura. Estendemos esse risco de ampliação de capacidade à proporção do que ela transporta dentro deste trecho”.

Se houver necessidade de ampliação de capacidade ao atingir os níveis de saturação, a alocação de risco será feita através da tarifa de direito de passagem cobrada das operadoras que acessam a Ferradura. Cada operador vai pagar o excedente proporcionalmente (por meio da tarifa) ao volume que transporta no trecho. “Se tiver que fazer novos investimentos, esses valores, o risco de ampliar vai ser diluído entre todos os operadores que ali trafegam”, ressalta Fonseca.

Essa questão foi motivo de determinação do TCU no acórdão. No relatório da ANTT enviado ao Tribunal havia a possibilidade também de se utilizar aportes públicos para esse eventual reequilíbrio, embora a redação falasse em preferencialmente utilizar como meio a tarifa de direito de passagem. A Corte, no entanto, determinou fechar essa última como única e exclusiva hipótese.

Outro ponto ajustado pela ANTT foi com base em sugestões feitas pela Rumo a respeito da modelagem da Ferradura. A minuta de termo aditivo previa que a realização de investimentos associados a eventual excesso de demanda fosse reequilibrada mediante elevação da tarifa direito de passagem; ao passo que nas demais situações, como alterações de escopo, prazo, ou mesmo atraso no cronograma de obras, o restabelecimento da equação econômico- financeira deveria se dar por meio de alteração do valor de outorga ou de supressão ou acréscimo de obrigações.

A Rumo sugeriu que fossem modificadas as regras de reequilíbrio na Ferradura, de modo que qualquer redução, atraso ou alteração de investimentos feitos na região pela MRS fossem compensados com a redução da tarifa de direito de passagem. A questão foi acatada pela agência e aprovada pelo TCU. “A sugestão apresentada pela concessionária Rumo Malha Paulista mostra-se adequada, na medida em que trata de forma mais balanceada os riscos relacionados aos investimentos na região da Ferradura. A opção por absorvê-los na forma de desconto na tarifa de direito de passagem também se insere na margem de discricionariedade da agência reguladora”, diz o acórdão.

Na opinião do presidente da MRS, a decisão foi correta e equilibrada. “Nunca tivemos objeção a esse ponto. Por mais que a gente faça bons estudos, boas simulações de trem, existem coisas que vão mudar, não dá para prever tudo daqui a 5 anos, como vai estar aquela obra. É justo que seja remunerado para mais ou para menos naquele trecho que é impactado. Isso está ok”, afirma Mello.

Possibilidade de exclusão

A permanência da Ferradura na concessão da MRS está sujeita a condições. Na minuta do termo aditivo elaborado pela ANTT, há dois critérios que podem resultar na abertura de processo administrativo por parte da agência para a retirada do trecho do contrato da concessionária. São eles: o não cumprimento da manutenção do Índice de Saturação da Ferrovia abaixo de 90% para a região da Baixada Santista até o quarto ano, contado a partir da data de vigência do termo aditivo; e a implementação das cinco fases de governança operacional no trecho. “Infringindo um ou outro critério, o resultado seria um processo administrativo para a retirada da Ferradura da MRS”, aponta Marcelo Fonseca.

De acordo com Guilherme Mello, por ter um prazo “desafiador”, os investimentos na Baixada Santista começaram a ser realizados antes mesmo da renovação do contrato. A MRS já deu início às obras, por exemplo, no pátio de Santos 1A, que será remodelado. “Estamos fazendo isso mais para se antever do que o receio de uma eventual possibilidade de exclusão. A gente sabe que precisa fazer e esperamos ser remunerados por isso”.

Ele diz que as obras na região precisam ser muito bem planejadas, não apenas em função da quantidade de intervenções que estão previstas, mas também por conta das condições do terreno. É uma área literalmente de mangue, próximo ao mar, fato que resulta num trabalho de fundação mais complicado. “A estabilização do terreno é imensamente mais cara e demorada, além de ter um acesso bastante restrito. Sem contar que dezenas de trens precisam passar por dia. É um processo que precisa de uma boa integração dos times de operação e de obras, além de muita inteligência para fazer o que precisa ser feito e devolver a linha para a operação dos trens”.

Investimento em frota

O contrato da MRS trouxe uma novidade regulatória do ponto de vista de aquisição de locomotivas e vagões. Segundo Larissa Wendling, gerente de Investimentos e Operação da ANTT, foi fixada uma quantidade de frota que deve ser comprada pela operadora nos últimos anos de concessão. O objetivo é evitar que a empresa devolva um material rodante mais antigo ao final do contrato.

Nas outras prorrogações, o termo aditivo trouxe apenas o indicador de idade máxima de locomotivas como forma de incentivar a concessionária a estar sempre adquirindo uma frota mais nova. Há penalidades envolvidas no caso de não cumprimento de aquisição de frota por reposição de vida útil. No entanto, a área técnica do Tribunal questionou em diligências com a ANTT o custo da penalidade ser muito baixo versus o valor do investimento para a compra de material rodante. No caso da MRS, a agência resolveu regular diferente os R$ 3 bilhões de investimento só em aquisição de locomotivas novas.

“Nos últimos anos da concessão ela tem uma quantidade a ser adquirida de frota e no caso de não haver a compra, um reequilíbrio no valor de outorga será aplicado. Porque a tendência é que a concessionária compre só no início da concessão e, no final, devolva um material rodante já próximo dos 40 anos. Então, a gente tentou fixar essa obrigatoriedade no final do contrato, trazendo um pouco mais de flexibilidade ao longo dos primeiros 20 anos”, explica Wendling.

Na minuta do termo aditivo do contrato da MRS está estipulada a compra de 47 locomotivas e 2.337 vagões por motivo de acréscimo de demanda. Por reposição de vida útil serão 298 locomotivas, cujo grosso do volume está programado para acontecer a partir de 2049 até 2056, quando termina o novo período de concessão. Não há obrigatoriedade de compra de vagões por reposição de vida útil. Com relação aos investimentos em sustaining (aqueles que visam manter os ativos), estão previstos R$ 21 bilhões até 2056.

O presidente da MRS ressaltou que a concessionária vem adiantando alguns investimentos, entre eles a compra de material rodante. No ano passado foram 21 máquinas (18 da Wabtec e três da Progress Rail – todas já entregues) e 350 vagões (maioria voltada para transporte de celulose e agrícola) adquiridos. Para 2022, no entanto, não há previsão de compra de frota. “A ideia é sentar com os fabricantes. Estamos vivendo o desequilíbrio gigantesco, que não dá para negar, o aço subiu de preço, enfim, o combustível subiu 70%, tudo isso volta para o produto. Revisitamos o payback de alguns projetos na MRS”.

A concessionária também adiantou no ano passado a compra de novos equipamentos de manutenção de via, como desguarnecedora a vácuo, socadoras, módulos de rejeitos e reguladoras de linha. Algumas máquinas já estão sendo entregues, a exemplo da desguanecedora total de lastro, fabricada pela Matisa, que chegou da Suíça em maio. Estão em produção as socadoras da Plasser, uma desguarnecedora à vácuo e 17 módulos de rejeitos da Loram. A previsão de chegada é 2023.

Trem de contêineres da MRS passando por trecho da Ferrovia do Aço – Lucas M. Rosa

“Estamos no cheque especial com o Conselho”

Antes mesmo de assinar o termo aditivo, a MRS deu início a alguns projetos que já estavam previstos na renovação do contrato. Já há investimentos sendo feitos na Baixada Santista e em obras para solucionar conflitos urbanos. O presidente da concessionária, Guilherme Segalla de Mello, diz que foi criada uma diretoria de obras para tocar todos os projetos da companhia, e brinca que está operando no cheque especial com o seu Conselho de Administração. “Literalmente! Antes de renovar, já fizemos dispêndios importantes”.

A planilha de investimentos da prorrogação está sendo corrigida, para que contemple valores atualizados até maio deste ano. “Grande parte dos recursos até agora está na Baixada, porque sabíamos que esse investimento, independentemente de a MRS renovar ou não, seria empecilho para o escoamento da safra. Se não tivesse a renovação teríamos alocado esse dinheiro no final da concessão”.

Foto: captura de tela Revista Ferroviária

Fonte: Revista Ferroviária (https://revistaferroviaria.com.br/2022/07/do-minerio-a-carga-geral/)

Share on social media

©2024 | GBMX Creating Paths | All rights reserved