Governo federal se comprometeu a ouvir povo kayapó. Indígenas, porém, não foram consultados pelo Ministério da Infraestrutura
Hoje, a proposta de construção da Ferrogrão está sendo analisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A ferrovia deve ligar Sinop, a 478,9 quilômetros de Cuiabá (MT), ao porto de Itaituba, no Pará, em uma construção capaz de gerar até 13 mil empregos.
A previsão do Ministério da Infraestrutura é de que a licença prévia para a construção da ferrovia seja emitida em abril deste ano. Enquanto isso, povos indígenas gritam em uma tentativa de serem ouvidos pelo governo.
O processo de concessão, no entanto, está “eivado de irregularidades graves”, segundo o Ministério Público Federal (MPF), “que implicam ofensas irremediáveis aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais atingidas”.
Procuradores do MPF, em conjunto com cinco organizações da sociedade civil – Instituto Socioambiental, Associação Iakiô, ATIX, Instituto Raoni e Instituto Kabu – entraram com uma representação no TCU em dezembro do ano passado para suspender o processo de desestatização.
Eles pedem também que a União seja obrigada a realizar a Consulta Prévia Livre e Informada a todos os povos indígenas e comunidades tradicionais presentes nos complexos territoriais da ferrovia.
A representação estava pautada para ser analisada nessa terça-feira (23/2), mas o TCU a retirou de pauta. Povos indígenas se mobilizam para realizar uma manifestação em frente ao prédio do Tribunal de Contas da União, em Brasília. Lideranças entregaram uma carta à presidente do tribunal, ministra Ana Arraes.
“Vamos estar em Brasília e fazer a nossa manifestação na frente do TCU. Estão isolando o nosso direito. Tudo isso, deixou as comunidades revoltadas”, relata o índio kayapó e relações públicas do Instituto Kabu, Doto Takak Ire, ao Metrópoles.
“A gente está muito preocupado. A gente quer que o governo apenas nos escute. Eles deveriam consultar as comunidades”, prossegue o indígena.
A falta de diálogo descumpre acordo feito pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), em dezembro de 2017, com o povo kayapó. Na ocasião, o presidente da audiência pública realizada pelo órgão, Alexandre Porto, assegurou que a consulta prévia seria “devidamente cumprida”.
Em tese, os indígenas esperam apenas o cumprimento da convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais – princípio basilar das relações contemporâneas entre índios e povos tradicionais com o Estado.
A norma concede às comunidades indígenas o direito de serem consultadas “cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-las diretamente”.
Também define que o Estado deve “estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis”.
O governo federal chegou a realizar audiências públicas. As reuniões, porém, aconteceram nas cidades de Belém, Cuiabá e Brasília, que ficam relativamente distantes de onde será implementada a ferrovia e, portanto, das comunidades indígenas afetadas.
“O que agride os povos indígenas é o fato de nem à consulta prévia terem direito, e de maneira escandalosa se passou por cima disso. O maior desejo deles é simplesmente serem consultados e terem o direito de avaliar se será benéfico ou não”, avalia o advogado Melillo Dinis, que atua na defesa dos povos indígenas.
A situação demanda urgência, no entanto, uma vez que a construção da ferrovia poderá causar, segundo o MPF, “iminente prejuízo socioambiental” para as presentes e futuras gerações dos, pelos menos, 16 complexos territoriais indígenas.
“Os estudos até então realizados que embasam o modelo de concessão, a minuta de edital e o próprio leilão, bem como a ausência de CCPLI, poderão legitimar grandes e irreversíveis danos ao meio ambiente (água, fauna, flora, vestígios arqueológicos e históricos) e às populações indígenas, quilombolas e tradicionais”, esclareceu o MPF.
Documento publicado em novembro do ano passado pelo Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta os impactos socioambientais da implementação da ferrovia EF-170.
O policy brief indica possíveis consequências da implantação da ferrovia, comparando o cenário atual do transporte de soja na região, que é feito majoritariamente pela rodovia BR-163, e o futuro cenário com parte da soja sendo transportada pela ferrovia.
Fonte: Metrópoles (https://www.metropoles.com/brasil/direitos-humanos-br/indigenas-acusam-governo-de-descumprir-acordo-em-concessao-de-ferrovia)
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