Na iminência da aprovação da reforma da Previdência, o governo voltou a desengavetar o programa de concessões ao setor privado, como uma das alavancas para estimular os investimentos e o crescimento da economia. As consequências serão positivas para o combalido caixa do Tesouro e certamente para a população, maltratada por infraestrutura e serviços públicos de péssima qualidade.
Nas contas da própria equipe econômica, o estoque de capital aplicado em infraestrutura beira atualmente os 36% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar extremamente baixo. O razoável seria dobrar esse percentual para os 60% do PIB. Nos países desenvolvidos, o estoque de investimentos em infraestrutura varia entre 64% e 85%, chegando a 179% no Japão. No caso do Brasil, até o básico falta. Segundo o especialista Claudio Frischtak, o país investiu em saneamento básico o equivalente a 0,18% do PIB entre 2001 e 2017, menos da metade do ideal, que é de 0,45% ao ano. Como resultado, 100 milhões de brasileiros não têm acesso a rede de esgoto e 35 milhões não são abastecidos com água potável.
Essas condições relegam o Brasil ao 81º lugar no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial. Para estar entre os 20 melhores nesse requisito, o fosso é abissal: seria necessário investir R$ 10 trilhões nos próximos 20 anos, a um ritmo anual cinco vezes maior do que os R$ 112 bilhões investidos em 2018. O governo vai começar com passos menores, mas ainda assim ambiciosos, com a intenção de chegar ao 71º lugar no ranking até o fim do mandato atual, em 2022.
Logo nos primeiros meses do ano foram realizadas 23 concessões, envolvendo 12 aeroportos, dez áreas portuárias e trecho da Ferrovia Norte-Sul. Eram projetos engatilhados na gestão de Michel Temer. O programa perdeu então o gás, na esteira do clima de reversão de otimismo com os resultados do governo de Jair Bolsonaro, quando se concluiu que a economia ia demorar para pegar tração. Agora que a reforma da Previdência avançou, abre-se espaço para a retomada.
O programa de concessões apresentado nesta semana prevê o investimento de R$ 208 bilhões, ao longo de 30 anos, em infraestrutura de transporte, que inclui portos, rodovias, ferrovias e aeroportos. Boa parte dos projetos apresentados já foi qualificada no Programa de Parceria de Investimentos (PPI), como os leilões da sexta e da sétima rodadas de aeroportos e a prorrogações de contratos de ferrovias. Entre os projetos está a concessão da BR-364/365, que vai a leilão em 18 de setembro, o primeiro efetivamente do governo Bolsonaro, para qual os grupos interessados já começam a estruturar suporte financeiro. O projeto prevê a concessão por 30 anos do trecho de 437 quilômetros de Jataí (GO) a Uberlândia (MG). O governo espera que somente as concessões de rodovias vão acarretar R$ 25 bilhões em investimentos nos primeiros cinco anos. Algumas rodovias já exploradas pela iniciativa privada, como a Via Dutra e a BR-040, entre o Rio e Juiz de Fora (MG), terão as concessões renovadas após vencimento em 2021. No total, serão 16 mil quilômetros de estradas federais.
No caso dos aeroportos, serão leiloados todos os que ainda estão sob gestão da Infraero, até 2022, em um total de 22. A relação inclui Curitiba, Manaus e Goiânia, além de Congonhas e Santos Dumont, os mais rentáveis, que ficarão para a última rodada. A previsão é que essas operações desencadeiem R$ 10,27 bilhões em investimentos. Já nas ferrovias os investimentos estimados somam R$ 54,56 bilhões, em concessões que podem se estender por 35 anos. Leilões desse modal são considerados mais complexos porque envolvem altos investimentos num mesmo ativo e há poucas empresas nesse setor. As concessões podem chegar a 35 anos. A expectativa do governo é que as concessões e consequente modernização do parque vão dobrar a participação das ferrovias na matriz de transportes, para 30%, até 2025. O governo também vai arrendar nove terminais e fazer duas concessões portuárias.
Para reforçar as garantias de que o programa de concessões será bem-sucedido, o governo elabora mudanças na legislação, com a adoção de novos modelos de financiamento, como a ampliação do benefício fiscal para debêntures, e marcos regulatórios.
Cláusulas de arbitragem e mecanismos de reequilíbrio econômico reduzem o risco de judicialização dos contratos. O governo estuda ainda mecanismo para minimizar o risco cambial. Todo esforço é válido para se assegurar o sucesso das concessões. Infelizmente, o processo vai levar mais tempo do que o desejável.
Fonte: Valor Econômico
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